quarta-feira, 15 de junho de 2011

SERÁ QUE UMA PESSOA QUE COMETE HOMICÍDIOS INDEPENDENTEMENTE DE ONDE SEJA MERECE FICAR IMPUNE?

16/06/2011 - 07h00
Dilma tem o dever de extraditar Battisti
1. No Brasil, talvez pelo fato de ocorrer cerca de 50 mil homicídios todos os anos, crimes como os praticados por Battisti não causam tanta repercussão. O mesmo não acontece na Itália, onde a sociedade exige das autoridades o cumprimento da lei. Como Procurador da República que sempre procurou fazer cumprir a lei, sinto-me indignado; porém, não posso fazer nada no mister da função, mas posso fazer como cidadão, e o faço por meio deste artigo.
2. O objetivo é apresentar sugestões jurídicas para implementar a extradição do referido condenado, bem como prestar solidariedade ao povo italiano pelo mal sofrido, por conta da atitude antidemocrática de governante brasileiro, que se aproveitou da transitoriedade do cargo para desrespeitar acordo internacional.
3. Como será demonstrado, Lula baseou-se em parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), data venia, de nenhuma consistência jurídica, que fantasiou justificativas absurdas para não cumprir o Tratado de Extradição celebrado com a Itália, promulgado pelo Decreto nº 863, de 9 de julho de 1993.
4. Considerando que a decisão de Lula não transita em julgado, Dilma Roussef, caso acionada pelo Governo Italiano, terá de cumprir o que ele (Lula) não cumpriu, porquanto o Supremo já autorizou a extradição: só falta executá-la. E o cumprimento deve ser feito por quem estiver na Presidência. Essa discussão é o objeto deste artigo.

OS FATOS CRIMINOSOS E A FUGA DO ASSASSINO
5. Na manhã do dia 6 de junho de 1978, o agente penitenciário Antonio Santoro dirigia-se a pé, de sua casa para o trabalho (penitenciária de Udine, Itália). No caminho, um assassino frio e covarde, com barba e bigode postiços, e uma mulher, que usava peruca, fingiam namorar em uma esquina. Quando Santoro passou pelo casal disfarçado, o criminoso o atacou pelas costas com dois tiros de pistola à queima-roupa. A vítima não teve chance de defesa e tombou morta. O nome do assassino: Cesare Battisti. Ele e sua cúmplice fugiram em um carro no qual se encontravam dois comparsas que davam cobertura.
6. As histórias dos quatro homicídios pelos quais Battisti foi condenado são muito parecidas. No cômputo das mortes, nenhuma autoridade. Parece que o criminoso era covarde demais e não tinha coragem de atacar autoridades. As outras vítimas foram: Lino Sabbadin, açougueiro; Pierluig Torregiani, joalheiro, morto numa emboscada quando caminhava ao lado de dois filhos menores, sendo que um deles foi alvejado, ficou paralítico e até hoje usa cadeira de rodas. A última vítima de Battisti foi Andrea Campagna, policial executado ao lado do futuro sogro, no dia 19 de abril de 1979, às 14hs, quando retornava do almoço com a namorada, o que fazia todos os dias.
7. Na Itália, embora o suspeito possa exercer a defesa ainda na fase de investigação, uma vez que lá existe o juiz de instrução, que não é o mesmo que julga (o que facilita a defesa), Battisti preferiu fugir a se defender, certamente sabedor de que o sistema de investigação italiano, um dos melhores do mundo, iria descobrir os seus crimes. Fugindo, teria a desculpa de que foi julgado à revelia, tese falaciosa que usa até hoje para esquivar-se da responsabilidade pelos terríveis crimes praticados.
8. Após perambular foragido por diversos lugares do mundo, Battisti foi morar na França. Quando a França autorizou a extradição, ele fugiu para o Brasil (por que escolheu justamente o Brasil?). Aqui, Battisti pediu refúgio. O Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE) negou o benefício, mas o então ministro da Justiça e hoje governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, alegando se tratar de crime político, contrariou o que dispõe a Lei 9.474/97, e concedeu refúgio ao condenado italiano.
A DECISÃO DO SUPREMO (TRIBUNAL FEDERAL - STF)
9. O Supremo Tribunal Federal (STF) anulou o refúgio, asseverando: 1) que não se tratou de crime político; 2) que a Justiça Italiana respeitou os direitos do acusado; e 3) que a condenação foi por crime comum (quatro homicídios qualificados). Após concluir pela regularidade do processo condenatório, que fundamentou o pedido de extradição, a Suprema Corte autorizou-a; porém, deixou ao Presidente da República a última palavra. O ex-presidente Lula, no último dia do mandato, negou a extradição. O Governo Italiano apresentou reclamação, mas o STF não a conheceu (não julgou o mérito), e soltou o criminoso italiano.
10. O artigo 102, inciso I, alínea g, da Constituição Federal preceitua que a competência para processar e JULGAR a extradição solicitada por Estado estrangeiro é do Supremo Tribunal Federal. Na faculdade, aprendi que o julgador dá a última palavra, até por razões óbvias, pois, se assim não o fosse, não haveria necessidade de julgamento, porquanto litígio não haveria. No caso em epígrafe, estava patente a controvérsia litigiosa entre a Itália e Battisti. Além disso, o mesmo se verificava entre autoridades administrativas da Itália e do Brasil. Logo, razão maior teria o Supremo para decidir o caso.

11. O STF, no entanto, ao contrário do que diz a Constituição Federal,entendeu que não é ele (o Tribunal) quem decide sobre extradição, mas sim o Presidente da República. Considerando que decisão judicial cumpre-se ou recorre-se, e não há mais para quem recorrer judicialmente, só vejo uma forma de resolver o imbróglio: recorrer à autoridade que, conforme o entendimento do STF, tem competência para julgar a extradição, isto, é ao Presidente da República, no caso, a Presidente Dilma.. É que o STF já autorizou a extradição, basta cumpri-la. E o fato de o ex-Presidente Lula ter negado o cumprimento não encerra a questão.
A RESPONSABILIDADE DE DILMA
12. O Supremo decidiu que a extradição é ato de política internacional e esta, pela própria natureza, é mutável, não fazendo coisa julgada. Ademais, se atos judiciais estão sujeitas a pedido de reconsideração, a fortiori, atos administrativos. Assim, a decisão de Lula, negando a extradição, pode e deve ser submetida a pedido de reconsideração, enquanto não ocorrer a prescrição da pretensão executória. A presidente Dilma tem o dever legal de cumprir o Tratado de Extradição com a Itália, promulgado pelo Decreto 863, de 9 de julho de 1993, sob pena de incidir no crime de responsabilidade previsto no artigo 5º, item 11, da Lei 1097/50.

13. A última decisão do STF (que culminou na soltura de Battisti) não disse se Lula acertou ou não, ao negar a extradição, pois o Supremo não conheceu da reclamação manejada pelo Governo Italiano. Na verdade, o STF foi apenas coerente com a sua decisão anterior, que autorizou a extradição, mas deixou ao Presidente o cumprimento.

14. Agora,o que importa, é a autorização da extradição, até porque esta decisão transitou em julgado. Isto quer dizer que, tanto a Presidente Dilma quanto o Vice-Presidente, se estiver no exercício da presidência, assim como quem suceder pode e deve, a qualquer tempo (enquanto não ocorrer a prescrição da pretensão executória), efetivar a extradição. Para isso, basta comunicar ao Supremo que irá cumprir a extradição, não precisando refazer o procedimento extraditório, pois isso já foi realizado e transitou em julgado, não podendo mais ser questionado.
15. A exemplo de Battisti, que se utilizou de expedientes para não cumprir a condenação, Lula fez a mesma coisa: negou a extradição no último dia do seu mandato, pois assim não correria o risco de responder pelo crime de responsabilidade, previsto no artigo 5º, item 11, da Lei nº 1097/50, que estabelece como crime de responsabilidade do Presidente da República: “Violar tratados legitimamente feitos com nações estrangeiras.”
16. Como visto, o Supremo abriu mão de sua competência constitucional, decidindo que o julgador da extradição é o Presidente da República. Todavia, a Corte Máxima não chegou ao extremo de dizer que o Presidente poderia decidir como bem lhe aprouvesse, pois enfatizou que deveria observar os tratados internacionais e, ainda que nada dissesse, é obrigação do Presidente da República, pela dignidade do cargo e o nome do país perante a comunidade internacional, respeitar os tratados internacionais, sob pena de responder por crime de responsabilidade (art. 5º, item 11, da Lei nº 1097/50).
AS INCONSISTÊNCIAS DO PARECER DA AGU (ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO - AGU)
17. Lula tomou a decisão de negar a extradição, com base em parecer da Advocacia-Geral da União – AGU-17/2010. Ao definir o assunto, diz o parecer: “Extradição. República Italiana. Julgamento do Supremo Tribunal Federal. Requisitos de caráter puramente subjetivos do Presidente da República.”
18. O arrazoado começa com grave erro, ao assinalar que os requisitos da extradição são de “caráter puramente subjetivos do Presidente da República.”. Ora, o Brasil deve cumprir tratados internacionais; logo, os requisitos para extradição não são “puramente subjetivos do Presidente da República”. O parecer, portanto, já começa com grave erro.
19. Contrariando o que consta logo no início do parecer, pois se os requisitos fossem “puramente subjetivos” não precisaria justificar, o parecerista esforça-se, ao extremo, para arrumar justificativas contra a extradição. A simplória argumentação, data venia, é tão frágil que melhor seria o ex-presidente Lula simplesmente dizer que não iria cumprir o Tratado de Extradição. Seria mais honesto com o povo italiano, pois, as justificativas apresentadas no parecer e utilizadas por Lula para negar a extradição, atentam contra a dignidade daquele povo.
20. Assim como Battisti cometeu seus crimes e não teve coragem de enfrentar o julgamento, Lula não teve coragem de dizer que não cumpriria o Tratado. Para isso, apoiou-se em justificativas absolutamente inidôneas, até hilárias, bem como se utilizou do expediente de deixar para o último dia do seu mandato a negativa da extradição, porquanto assim não correria o risco de responder por crime de responsabilidade.
21. O parecer que sustentou a decisão de Lula fulcra-se em mera suposição, extraída de “ponderáveis razões”, segundo as quais a situação pessoal de Battisti agravar-se-ia com a extradição, vejamos:
“2. A presente manifestação principia por colocar objetivamente os contornos do problema. Segue com investigação a propósito do requerimento de extradição encaminhado pelas autoridades italianas. Procura-se esquadrinhar o conteúdo do decidido pelo Supremo Tribunal Federal no contexto da Extradição n º 1085. Reproduz-se o Tratado de Extradição firmado entre Brasil e Itália. Indicam-se peculiaridades, características, posições e diferenças que se desdobram no aqui estudado Caso Battisti. Conclui-se que há ponderáveis razões para se supor que o extraditando possa ser submetido a agravamento de sua situação pessoal. E que, se plausível a premissa, deve-se aplicar o tratado, no sentido de se negar a extradição, insista-se, por força de disposição do próprio tratado, que confere discricionaridade, ao Presidente da República, nos termos do já referido tratado.” (Grifei)
22. Veja-se que o parecer informa o critério utilizado na análise da matéria e a conclusão é que “há ponderáveis razões para se supor que o extraditando possa ser submetido a agravamento de sua situação pessoal”. E foi exatamente essa a justificativa utilizada por Lula para negar a extradição: suposições. Repito. Suposições de que o extraditando poderia sofrer agravamento de sua situação pessoal.
23. Mais adiante, registra-se, no parecer, a fonte de onde foram extraídas as “ponderáveis razões” em decorrência das quais se levou a “supor” possível agravamento à situação do extraditando:
“10. Ao longo das razões que seguem evidencia-se certa apreensão para com eventual tratamento a ser enfrentado pelo extraditando. Pelo que se apreende de acompanhamento pela imprensa, pode haver motivos que justificariam pelo menos a mais absoluta cautela, no caso de eventual entrega do indivíduo reclamado pelas autoridades italianas. Isto é, há fundadas razões para suposição de que o extraditando possa ter agravada sua situação pessoal. E tal suposição não sugere, e nem suscita, e nem cogita, de qualquer ato de hostilidade para com as autoridades do Estado-requerente.
11. A questão exige que se proteja, do modo mais superlativo possível, a integridade de pessoa eventualmente exposta a perigo, em ambiente supostamente hostil”. (Grifei)

24. Como se vê, o autor do parecer baseou-se em informações colhidas na imprensa, para “supor” que havia motivos que reclamavam cautela no caso de eventual entrega do condenado Battisti. Enfatizou, porém, que “tal suposição” não significaria ato de hostilidade: “E tal suposição não sugere, e nem suscita, e nem cogita, de qualquer ato de hostilidade para com as autoridades do Estado-requerente.”. Talvez essa “suposição” não significasse ato de hostilidade contra as autoridades italianas, mas sim contra o povo italiano, mormente a sugerir a existência de ambiente hostil, como se a Itália fosse habitada por bárbaros, e que o Brasil precisasse acolher um criminoso italiano, para que ele não sofresse hostilidade no seu país de origem.
25. Adiante, o signatário do parecer esclarece que não é a falta de democracia na Itália que o faz supor clima de hostilidade, mas o excesso de democracia. Veja-se o que ele escreveu:

“110. Não se trata de nenhuma dúvida para com as perfeitas condições democráticas que presentemente vigem na Itália. Cuida-se, tão somente, do reconhecimento de circunstância que inegavelmente se evidencia, no que se refere à situação pessoal do Cesare Battisti. É justamente a plena convicção que regime democrático exuberante vigora na Itália que autoriza que se intua (sic) que a situação do extraditando possa ser agravada, por força de sua condição pessoal.” Grifei.
26. Na visão do autor do parecer, o Consultor da União Arnaldo Godoy, promovido em seguida a Consultor-Geral da União, o “regime democrático exuberante” vigente na Itália autoriza supor que a situação do extraditando possa se agravar. Não sei o que o digno Consultor quis dizer com isso, mas suponho (já que o parecer foi elaborado com base em suposição, utilizo da mesma técnica para tentar interpretá-lo) que seja uma espécie de “excesso de democracia”.
27. Ora, se essa tese prevalecer, o Brasil deve renunciar os tratados com países de tais regimes. Assim, Estados Unidos, Inglaterra, Suécia, Holanda e outros de regimes semelhantes, não devem ter tratados de extradição com o Brasil, pois o “regime democrático exuberante” desses países, a exemplo da Itália, como dito pelo parecerista, impedirá o nosso país de cumprir os tratados.

28. Com efeito, o Brasil deverá manter tratados de extradição apenas com Cuba, China, Irã, Vietnã, Coreia do Norte, Venezuela e outros, que não apresentam “regime democrático exuberante”. Talvez essa seja a razão de o Brasil ter entregado rapidamente os boxeadores cubanos que tentaram fugir do regime castrista. Aliás, a fixação do salário mínimo por decreto parece ser o resultado da admiração do Brasil por esses países de “democracia não exuberante”. Eles têm se tornado fonte de inspiração para nossos governantes.
29. O parecer seria cômico se não fosse trágico. Ele contém passagens hilárias, mas não tem graça, pois com base nele, Lula deixou de extraditar um criminoso sanguinário, frio e covarde e que agora vive no nosso meio como pessoa livre.
30. É a partir dessas “suposições”, que o Tratado firmado entre o Brasil e a Itália, aprovado pelo Decreto nº 863, de 9 de julho de 1993, foi ignorado. Para situar a análise, transcrevo dispositivo do referido Decreto que estabelece as hipóteses de recusa da extradição.
“ARTIGO 3.
Casos de Recusa de Extradição
1. A extradição não será concedida:
a) se, pelo mesmo fato, a pessoa reclamada estiver sendo submetida a processo penal, ou já tiver sido julgado pelas autoridades judiciárias da Parte requerida>
b) se, na ocasião do recebimento do pedido, segundo a lei de uma das Partes, houver ocorrido prescrição do crime ou da pena;
c) se a pessoa reclamada tiver sido ou vier a ser submetida a julgamento por um tribunal de exceção na Parte requerente;
e) se o fato pelo qual é pedida for considerado, pela Parte requerida, crime político;
f) se a Parte requerida tiver razões ponderáveis para supor que a pessoa reclamada será submetida a atos de perseguição e discriminação por motivo de raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, opinião política, condição social ou pessoal; ou que sua situação possa ser agravada por um dos elementos antes mencionados;
g) se o fato pelo qual é pedida constituir, segundo a lei da Parte requerida, crime exclusivamente militar. Para os fins deste Tratado, consideram-se exclusivamente militares os crimes previstos e puníveis pela lei militar, que não constituam crimes de direito comum.”
31. Inicialmente, o Governo brasileiro, por intermédio do ex-ministro da Justiça Tarso Genro, apegou-se à alínea “e”, do mencionado dispositivo: “e) se o fato pelo qual é pedida for considerado, pela Parte requerida, crime político;”. Alegou-se que Cesare Battisti tinha sido vítima de perseguição política, e que sua condenação na Itália teria sido injusta, pois fora condenado à revelia. Ocorre que a tese de perseguição política foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal, como ressalta o parecer, por isso foi necessário arrumar outra tese para justificar a negativa utilizada por Lula para não conceder a extradição. Vejamos o que diz o Consultor:
“144. Em primeiro lugar, não há mais espaço para que se discuta o procedimento penal ocorrido na Itália e que redundou na condenação de Cesare Battisti. A decisão do Supremo Tribunal Federal tem como efeito imediato a proibição de que se levante, internamente, dúvidas, senões e questionamentos em torno da legitimidade e da legalidade do procedimento de condenação de Battisti. A decisão do Supremo Tribunal Federal deve ser cumprida.
(...)
146. Preclusa também a instância interna para que se compreenda o Caso Battisti como intrinsecamente político.(..)
32. Derrubada a tese do crime político, o Consultor da União tratou de arrumar outra, mas a “emenda ficou pior do que o soneto”. Mesmo assim, Lula valeu-se da inconsistente tese para descumprir o Tratado, alegando estar autorizado por seus próprios termos. O item a seguir é uma amostra resumida da tese absurda e que reflete o teor do parecer:

“153. A condição pessoal do extraditando, agitador político que teria agido nos (sic) em anos difíceis da história italiana, ainda que condenado por crime comum, poderia, salvo engano, provocar reação que poderia, em tese, provocar no extraditando, algum tipo de agravamento de sua situação pessoal. Há ponderáveis razões para se supor que o extraditando poderia, em princípio, sofrer alguma forma de agravamento de sua situação.”
33. Nesse último item (153), que é uma síntese do que ocorre no parecer inteiro, o uso, em curto espaço, de sucessivas suposições, ligadas ao verbo “poderia” - “poderia, salvo engano”...”poderia, em tese”.... “poderia, em princípio” - associado a palavras de ideias vagas, denota a falta de convicção do subscritor. Isso ocorre porque ele fica tentando justificar o injustificável, isto é, que haveria motivos para não ser cumprido o Tratado de Extradição com a Itália.
34. O profissional responsável pela elaboração do parecer conhece o Direito (tem doutorado), tanto que ressaltou a impossibilidade de rediscutir o que o Supremo decidiu, bem como a necessidade de observar o Tratado firmado com a Itália. Contudo, sucumbiu à indisfarçável intenção do Sr. Luiz Inácio Lula da Silva de abrigar o criminoso no nosso país.

35. Seria mais fácil para o signatário concluir pelo óbvio: a impossibilidade de o então Presidente da República descumprir o Tratado com a Itália. Não obstante, como o indisfarçável objetivo era satisfazer a vontade de Lula, o parecerista tentou justificar o injustificável e o parecer ficou estapafúrdio. Vejamos os dois últimos parágrafos, inclusive com a lamentável e abominável conclusão:
“169. É exatamente o nicho democrático italiano que sugere amplitude do debate, suscitando-se ponderáveis suposições de que o extraditando possa, em tese, enfrentar
atos que agravam a sua situação, por motivos de condição pessoal.
170. Opina-se, assim, pela não extradição de Cesare Battisti para a Itália, com base no permissivo da letra f do número 1 do art. 3 do Tratado de Extradição celebrado entre o Brasil e a Itália, porquanto, do modo como aqui argumentado, há ponderáveis razões para se supor que o extraditando seja submetido a agravamento de sua situação, por motivo de condição pessoal, dado seu passado, marcado por atividade política de intensividade relevante. Todos os elementos fáticos que envolvem a situação indicam que tais preocupações são absolutamente plausíveis, justificando-se a negativa da extradição, nos termos do Tratado celebrado entre Brasil e Itália.”
36. Conforme exaustivamente declinado, o fundamento único do parecer consistiu na “suposição” de que Cesare Battisti “poderia” ter sua “situação pessoal” agravada com a extradição. Se o argumento em tela servisse como justificativa para não cumprir o tratado, até hoje nenhum pedido de extradição teria sido atendido, pois é natural “supor” que a “situação pessoal” do extraditando “possa” se agravar, porquanto é normal que o cumprimento de uma pena agrave a “situação” do condenado. Caso contrário, não seria pena.

37. A título de informação, até então, nenhuma extradição autorizada pelo STF fora negada pelo Presidente da República. A extradição do Cesare Battisti foi a única que o Supremo autorizou, e o Presidente da República não executou. Fica isso para registro.

PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO
38. A falta de responsabilidade e de senso crítico, a meu sentir, levou o ex-Presidente Lula a cometer inúmeros absurdos, muitos deles eu relato no livro “De Faxineiro a Procurador da República”. A negativa da extradição do terrorista Cesare Battisti, a tentativa de “acordo nuclear com o Irã”; o Caso dos Caças, quando ele “bateu o martelo”, como se estivesse em uma mesa de negociação sindical, declarando vencedor o modelo francês, ignorando o processo licitatório, a alteração do contrato da hidrelétrica de Itaipu, o perdão de dívidas de países governados por ditadores com dinheiro em paraísos fiscais etc.

39. A sorte é que, ao contrário de outras situações proporcionadas por Lula, que não podem mais ser corrigidas, no Caso Battisti o erro pode (e deve) ser corrigido. A decisão do Supremo Tribunal Federal não foi direcionada exclusivamente para que ele (Lula) concedesse ou não a extradição do condenado italiano, mas sim para que o titular da Presidência da República, ou seja, qualquer um que esteja no cargo de Presidente pode entregar o condenado.

40. Ora, Lula foi apenas um detentor temporário do cargo de Presidente da República, e a sua recusa em executar a extradição não impede que outros presidentes a cumpram. Assim, cabe ao Governo Italiano formular pedido de reconsideração à Presidente Dilma. Instruí-lo com informações de que a Itália, país amigo do Brasil, é habitada por pessoas civilizadas, que cobram do governo o cumprimento da lei; daí, reclamarem a repatriação do condenado Battisti, mas que isso não representa perigo para o criminoso, pois o povo quer apenas que a lei seja cumprida, como é de costume naquele país.

41. De outro giro, assim como o Governo Italiano se comprometeu com o Governo Brasileiro a não executar a pena de prisão perpétua, observando os limites dos 30 anos previstos na nossa legislação, também pode se comprometer, no pedido de reconsideração, que o extraditando será encaminhado diretamente para penitenciária e não terá contato de forma alguma com a população, pois, conforme declinado no parecer, tal exposição poderia agravar a situação pessoal do condenado.

44. E mais. Considerando a exagerada preocupação do Governo Brasileiro com a situação pessoal do extraditando, além de todas as providências para que ele não seja exposto à condição que possa agravar a sua “situação pessoal”, o Governo Italiano poderia se comprometer a permitir que uma espécie de observador brasileiro pudesse visitar Cesare Battisti, para averiguar se as condições propostas no pedido de reconsideração eram cumpridas.

45. Essas e outras disposições podem ser propostas no pedido de reconsideração a ser formulado à Presidente Dilma, que terá o dever legal de apreciar, pautando-se de acordo com os limites do Tratado, sem qualquer vinculação ao decidido por Lula, pois o que vale é o Tratado e não o que o ex-Presidente “decidiu”.

46. Caso a Presidente Dilma não observe o Tratado, poderá ser demandada por crime de responsabilidade, conforme declinado anteriormente neste artigo. Porém, considerando a sua postura, até agora visivelmente diferente da do ex-Presidente Lula, certamente cumprirá o Tratado de Extradição legitimamente firmado entre o Brasil e a Itália e extraditará o condenado Cesare Battisti, porquanto o STF apreciou e concluiu pela legalidade da condenação sofrida no seu país de origem pelos graves e perversos crimes praticados.

PEDIDO ALTERNATIVO(cumprimento da pena no Brasil)

47. A título de pedido alternativo, o Governo Italiano, ad argumentandum tantum, caso o Governo Brasileiro insista em dizer que na Itália não há condições de o condenado cumprir a pena, deve solicitar que a condenação de Battisti seja cumprida no Brasil.

48. Justificativas para isso há de sobras, pois o nosso país é signatário de várias convenções internacionais que objetivam combater e reprimir a prática de crimes. Logo, o Brasil não se recusará a colaborar com país amigo para executar uma pena, de acordo com as nossas leis, uma vez que o país solicitante estaria impedido de cumpri-la pelo fato de o Brasil afirmar que ele (Itália) não oferece condições para tanto.

49. Assim, se a parte solicitante não tem condições para cumprir a pena (na visão do Lula), a título de colaboração, o Brasil deve oferecê-las, para que não haja impunidade. O que não pode é o criminoso condenado viver livre dentro do Brasil, representando perigo para a sociedade brasileira e servindo de péssimo exemplo, bem como contribuindo ainda mais para a imagem negativa do país no exterior.
CONCLUSÃO
50. O meu objetivo com este artigo é contribuir para que o Brasil cumpra o seu dever de respeitar acordos internacionais e, sobretudo, não servir de instrumento para impunidade alheia. Bastam as impunidades existentes por aqui.
51. A propósito, no nosso querido país, as coisas são feitas para não funcionar. Por exemplo, o único que pode processar criminalmente o Presidente da República e os seus ministros é o Procurador-Geral da República, sendo que este é nomeado pelo Presidente, ou seja, o Presidente da República escolhe o seu potencial acusador (promotor natural). Além disso, de dois em dois anos, o Presidente da República pode trocá-lo, isto é, se agradou fica; caso não agrade, troca (parece piada, mas infelizmente, é verdade). Não é por acaso que o Brasil é conhecido como o país da impunidade, no qual presidentes da República vêm a público dar apoio a indivíduos suspeitíssimos de corrupção. Isso não acontece no Japão, nos Estados Unidos e em outros países onde a lei é aplicada a todos.
52. O ex-Presidente Lula baixou medida provisória e decretos, que mesmo uma pessoa completamente analfabeta saberia que se destinavam a prática de ilícitos. Os atos normativos foram utilizados e angariaram vultosas quantias para a implementação do Mensalão do PT. Apesar disso e de outras provas que apontavam a participação dele no maior esquema criminoso operante neste país, Lula não foi responsabilizado criminalmente.
53. Caso a investigação e a acusação desse mega esquema criminoso tivessem sido feitas como manda a lei, Lula teria perdido o cargo e ido parar em uma penitenciária (a Constituição Federal não permite a prisão no exercício do cargo de Presidente, mas ele pode ser preso após perdê-lo). Se isso tivesse acontecido - e tinha tudo para ter - se o ex-Procurador-Geral da República Antonio Fernando tivesse feito o que a lei manda, a corrupção não teria chegado ao estado atual (verdadeira epidemia).
54. Ademais, hoje o Brasil não estaria dando esse vexame perante a comunidade internacional, acolhendo um terrorista, assassino, perverso, frio e covarde, chamado Cesare Battisti.
Manoel Pastana
Procurador da República e escritor
www.manoelpastana.com.br (site em construção que será utilizado para ajudar estudantes, bem como publicar informações críticas, mas responsáveis, sobre assuntos relacionados à área jurídica, política e econômica)

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